Ela veio com suas calças de ginástica, fixou o banquinho, certificou-se de que não estava bambo, subiu e começou a espanar as prateleiras mais altas. Voavam memórias empoeiradas dos outrora sorrisos felizes, e ela apenas espanava com simplicidade. Achou grandes pilhas de cartas de amor e fotografias enamoradas. Juntou tudo nos braços, desceu cuidadosamente do banco e pôs tudo aquilo numa grande caixa. Foi a vez de seguir pelas paredes com a flanela cheia de água, apagando cada rabisco, cada declaração, cada pedaço de história que teimava em ficar ali. Ela parou, havia muito trabalho ainda por fazer, mas estava funcionando bem. Abriu as gavetas, desenterrou os presentes mofados que estavam lá dentro, colocou-os dentro da caixa grande. Varreu todo o chão, retirando dele as crostas pretas da mágoa, do rancor, da raiva, da decepção e do desgosto. Saiu uma enorme poeira preta. Enorme,negra,disforme,sufocante..Ela espirrou, fez um muxoxo, jogou tudo no lixo. Olhou em volta, estava tudo quase certo. Algumas rachaduras, alguns cantos perdidos mesmo, jamais seriam recuperados...Havia um pouco de bolor e de cacos de vidro espalhados. Mas, estava bem melhor do que antes. E no centro do cômodo havia ainda a grande caixa com as tralhas restantes. Ela sentou-se com as pernas esticadas, respirou fundo, tomou coragem e foi pegando as coisas, as fotos, as cartas, os presentes...Olhava, chorava, rasgava. Olhava, sorria, rasgava. Olhava, balançava a cabeça num misto de dó e saudade ,rasgava Quarenta minutos depois, o que foi amor era lixo. E o cômodo que estava sujo, estava outro. Precisava de pintura, de papel de parede, até de uma reforma quem sabe...mas já não era um lugar esquecido e abandonado.
Mas as coisas acontecem com o tempo, e ela sabia que não se podia querer tudo de vez quando se tratava de uma faxina no coração.
Pegou o saco de lixo e sorriu tranqüila. Teve fé que arranjaria um futuro inquilino compreensivo, que saberia driblar seus medos, suas angústias, suas inseguranças com cuidado, paciência e carinho.
Deu uma última olhada e carregando a caixa do passado e o saco de lixo, fechou a porta do cômodo e foi embora. Era livre, de novo.
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