Terça-feira, 23 de Setembro de 2008

Dias vazios não são dias producentes. E eu já havia me desacostumado a ter tanto tempo livre assim. Daí que eu fico muito mais tempo no Orkut do que deveria e daí que as coisas mais óbvias ainda são as que mais me impressionam.

 

Como é que pode esse tal de 'site de relacionamentos' ter virado um 'açougue humano' desse jeito? Encontram-se franjas lisas em variações de tons castanhos, loiros, puxados para o mel e até uma miscelânia desses tons; encontram-se bocas que esmeram-se em beijos na frente do espelho num amor narcísico incontestável, encontram-se braços que fazem ondas e barrigas que fazem gomo, decotes proeminentes que destroem a expectativa do velado, o ato de imaginar o que há na outra pessoa (tão necessário ao desejo, tão intriseco a paixão), fotos no carro, fotos de bíquini - tudo isso eu estou falando daquela famosa foto do perfil, aquela foto que nos 'apresenta' para o mundo... Sorrisos demais. Beleza demais. Obviedade demais. Oferta demais. Todo mundo igual demais.

Eu me imagino passeando tranquila empurrando um carrinho pelo meio de várias prateleiras e fazendo 'seleção de currículos': 'esse aqui eu pego afinal as meninas não vão se dar quando souberem que eu fiquei com ele - olha só esse braço' ( e aí fico eternamente na discussão maravilhosa sobre os pesos da academia, o quanto a cerveja da Lotus é a mais gelada do mercado [não sei, é?]) ; 'esse aqui eu pego, porque, olha só, com esse carro todo mundo vai morrer de inveja' (e aí vou viver sem importância, não é? porque aonde o ego e a vaidade do outro se inflamam, é muito possível que ele não tenha tempo para as minhas abobrinhas, sensibilidades e imbecilidades, para os meus sentimentos e pensamentos); ' vou levar essa, olhe só o tamanho dessa bunda, isso lá em casa ia fazer um estrago' ( e aí, depois que eu como, viro pro lado e durmo, porque não tem afinidade para depois, porque não tem dialogo para depois, porque eu não me importo mesmo com o seu depois, minha filha).

Que escolhas são essas? Daonde vem? Se baseiam em quê?

Fácil: geração Big Brother. Todo mundo quer mais do que ter, fazer, acontecer - todo mundo quer ser visto tendo, fazendo, acontecendo. Não tem graça pegar Juliana Paes, se você não puder contar a todo mundo. Não tem graça colocar silicone se você não puder exibir por aí. De que adianta ter o carro do momento se ninguém falar sobre isso nas rodinhas de conversa que você não está, não é verdade?

E aí, bem aí, no meio de tanta coisa 'demais', de tanto suprasumo, de tanta oferta... ficamos ainda mais sozinhos. Sozinhos entre corpos perfeitos (não importa se de jovens de 15 anos ou de 'senhoras' de 50, todo mundo é igual, hoje em dia, e todo mundo pode ser, basta ter dinheiro pra comprar), sozinhos entre pessoas auto-confiantes, gostosas e bronzeadas.

Sozinhos com o(s) nosso(s) conceito(s) incutido(s):

1) - não pode haver compromisso, pois, num mercado tão extenso quanto esse, escolher uma coxa e ficar só com ela, só por causa dela, é um desperdício do meu tempo de degustador e eu tenho pouco tempo para ter todas as minhas parceiras/parceiros utópicos e intangíveis (que vale ressaltar, se vendem na prateleira como objetos feitos para serem desejados mesmo, e não seres humanos que se engustiam e sorriem, e que também podem negar fogo). É a cultura do sexo - embora o sexo seja a mesma coisa sempre - enfia,tira, coloca, balança e pronto, como já diz um professor maravilhoso.

2) - todo amor/desejo/relacionamento tem de ser um espelho da novela da globo e se assim não for, não serve e não convém, pois pessoas tão maravilhosamente talhadas na academia não merecem nada abaixo do impossível: amor todo dia, sorrisos todos os dias, felicidade instantânea, desejo contínuo ( e nunca falho), troca de presentes caríssimos, dividir uma saladinha na churrascaria mais cara da cidade (cê sabe né, engordou minha filha, troco você por outra da prateleira de cima) ou uma caipiroska no camarote super badalado do show do Asa 20 anos.

3) - todo desejo é desejo de si mesmo: eu tenho que ser o mais gostoso, o mais cheiroso, o mais sedutor, o mais sorridente, porque assim as pessoas me desejam, e ao ser desejado, não preciso desejar de volta, basta que eu tenha comprovado o meu potencial, para quê, diante de todas essas mulheres inatingíveis eu não me sinta medroso e sim digno do desejo (eterno, que tédio) destas mulheres. Eu desejo é me ver desejado no olho do outro.

4) - o compromisso não pode atrapalhar a produtividade: ninguém tem mais tempo para besteiras de amor.

 

O 4 é o que mais me dói, o que eu mais acho digno no sentimento é justamente as suas besteirinhas.. sinto falta de achar uns trechos de poema rabiscados em papéizinhos pela casa (alguém lê poesia hoje em dia ainda? alguém compartilha poesia com o ser amado?), deitar e dormir assistindo um filme juntos(eu não consigo mesmo assistir filme em casa, sem dormir), ir pra uma praça verdinha, escolher a arvóre de maior sombra e deitar, numa coisa meio-mãos-dadas, cada qual com seu livro, cada qual com sua paz, cada qual junto, receber um bombom, uma flor (vai, admito, até um buquê), andar de pijama pela casa, debater as eleições da cidade, beijar, abraçar, achar lindo (de pijama, de coque, com cara amassada de quem acordou agora, isso mesmo), fazer sexo sem ter que ser na cama e nem sem ter que ser numa lancha em alto mar a lá Laços de Família, continuar me sentindo livre para ter tesão em pijamas ao invés de em jatinhos ou porsches, ter a lírica liberdade de cada um continuar pensando por si e sabendo que as coisas podem ser conversadas sem impedimentos, música, muita música boa, e não a música que embala o amor da novela, discutir a teoria Lacaniana, a economia do país ou o direito Civil, jogar videogame, twister, dançar um forró fora do são joão, viajar pra passar um fim de semana a sós, comer sushi com vinho em casa, aquele silêncio gostoso de se saber junto, um filme cult de museu, um pôr do sol no meio da rua mesmo...

 

A coisa mais triste que pode acontecer a um casal é ficar só na carne, (embora, pelo amor de Deus, a carne seja um parte natural e deliciosa, mesmo que tentem incutir nas nossas cabeças que o sexo é sujo e pecaminoso - não é não.) e é triste porque a carne trai, porque a carne cai, porque a carne cansa, porque sexo é igual com todo mundo (mesmo que se coloque um liquidificador, uma terceira pessoa ou um cavalo no meio do esquema).

 

 

Alguém me explica: que mundo é esse, companheiro?


música Marcelo Camelo - Doce Solidão

publicado por Juliana Correia às 14:15 | link do post | comentar | favorito

1 comentário:
De alexandre pimenta de souza a 6 de Janeiro de 2011 às 23:26
Sao respostas muitar criativas Adorei


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