Sexta-feira, 12 de Setembro de 2008

A água do chuveiro cai em profusão - como caem os desejos, como caem as máscaras e as realidades antes não pensadas, como caem as pessoas, os sonhos, as esperanças e até as notas no boletim cada dia mais vermelho.

A água do chuveiro lava o meu cabelo - e eu queria que lavasse a minha alma, o meu âmago, o meu lado cruel, o meu lado medroso, o meu lado infiel e incoerente e que lavasse mais profundamente ainda o lado coerente, o lado que faz sentido e o lado que se importa com o que aparenta.

A água vem gelada, me fazendo recuar um pouco - assim como as suas palavras ásperas naquela tarde me fizeram recuar de coisas que eu acreditava, que eu tinha certeza, que eu queria investir.. me fizeram recuar de abrir a boca: abrir a boca e engolir o mundo todo, esse meu medo de viver, essa minha cabeça sempre ditando os caminhos certos e racionais e eu sempre ouvindo, abrir a boca e deixar a libido falar, o tesão gritar, os desejos se soltarem, os sentimentos se eternizarem... fecho a boca quando essa água gelada cai, assim como fechei a boca de tudo que eu podia dizer, quando você disse 'aquilo' de um jeito mais gelado do que a água e eu tive que sair correndo com mais pavor do que eu corri agora, no banho.

Eu fecho a torneira e a água para de cair e eu penso em como é injusto não poder fechar a minha cabeça e o meu coração. Não poder para com essa confluência, com esse descarregamento de pensamentos que buscam direção, sentido, porque, motivo, ações futuras e presentes sobre os acontecidos passados... Fechar esse coração que convulsiona, que quer ignorar o óbvio, que quer viver um pouco [só pra variar], que quer ir se divertir, que quer irrigar sangue por todos os caminhos, que quer viver de sangue, em poças de sangue.. porque o sangue correndo é ou não é a maior metáfora da vida? Ele saindo e se espalhando, e voltando pra ser trocado, e correndo de novo e voltando...

 

Deixo a toalha pra lá. Esse sangue todo não há quem enxugue.

Me consolo de saber que eu, pelo menos, deixei a água cair...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"E por isso eu tomo chá, pra ver se aquieto meu
peito que já nasceu com potencial de explodir
sozinho, ainda mais quando tem gente querendo apertar o botão."  -> Tati Bernardi

 

"Se na bagunça do teu coração, meu sangue errou de veia e se perdeu..." -> Chico Buarque.



publicado por Juliana Correia às 01:16 | link do post | comentar | favorito

1 comentário:
De jv a 12 de Setembro de 2008 às 14:20
li e reli, q texto belíssimo. a associação com o chuveiro realmente criou uma imagem na minha mente...


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