Sexta-feira, 5 de Setembro de 2008

É uma coisa estranha assim, escrever sem nenhum propósito desvelado. Eu escrevo pela vontade de estar contigo. De ter tuas mãos esquentando as minhas nas noites frias, de ter seus olhos regulando meus movimentos beirando o receio ou a admiração e fundamentalmente, escrevo palavras de saudade das nossas desengonçadas danças pela praças ou das nossas brigas escandalosas, berrantes e escancaradas- seja aonde fosse.

Incrível isso, sempre fomos mais dos gestos. Dedos em riste, dedos na cara, mãos se movimentando no ar, caretas de contrariedade, sobrancelhas se lavantando, braços cruzados. Somos um verdadeiro show de sinestesia e movimento. Pois isso faz engraçado que eu te escreva um bilhete, assim ao acaso, depois de tanto tempo sem te dirigir palavras. Essas tão estranhas palavras, que tantas e incontáveis vezes apenas nos separaram, muito mais do que nos uniram. Ainda assim, me rendo frágil a elas, como quem admite que não vê outra solução. Sei que o nosso problema é interpretação. (Sei também que você não acha isso, e tudo isso já iniciaria uma grande discussão! Vês?) Por isso torço para que as palavras escritas sejam mais minhas amigas, enlacem-se pelos teus dedos e subam até a sua cabeça, fazendo o mesmo sentido que tinham quando as escrevi, apressadamente, neste papel. Veja - eu te amo. Eu te amo por aquelas mesmas coisas que já te disse tantas vezes - o de sempre: o orgulho que tenho dos teus vinils do chico na estante, a satisfação de poder dizer, entre risos, as amigas, o quanto você é surpreedentemente rei dos lençóis e cavaleiro sagaz na disputa anti-monotonia, esse teu ciúme louco que me desvaria a vaidade, essa tua paciência com os filhos do vizinho e o quanto você faz sagrado o almoço de domingo na tua mãe. Sabes que te amo pelos beijos que me dá antes de dormir, pelas massagens nos meus pés depois de dias cansativos, pelo teu gosto por dançar na chuva ou pelo jeito com que dirige cuidadosamente se estou no teu carro. Mas talvez não saiba que te amo (mesmo e até mais, talvez, sendo o amor essa coisa irresponsavelmente sem sentido ou explicação!) quando chegas bêbado a equilibrar pela soleira, cantando músicas indecentes e gritando meu nome, quando aperta com força desnecesseriamente demasiada o meu braço porque alega que alguém estava me admirando, quando quebra os copos atirando na parede porque eu sou uma irracional que te irrita, quando trabalha demais e dorme demais depois para compensar, quando usa bermudas e camisas estampadas e me destrói de constrangimento, quando se revolta porque eu digo que desse jeito não saio, quando não pede desculpas e ainda amaldiçoa a minha insistência, quando come o macarrão sugando-o para dentro e, principalmente, quando me faz levar os teus gatos que eu odeio ao veterinário. Não imagino você percebendo a sutileza de amar teus defeitos, mas sim se zangando pelas críticas, com aquele seu tom de "e quem é você para achar que tem o direito de me dizer como ser uma pessoa melhor?". Eu sou ninguém, longe de ti ainda mais ninguém, perto de ti completamente ninguém - ou alguém-ninguém, que se transmuta em Amélia para te agradar, para te merecer, para te possuir corpo-alma-tudo. Alguém que ama vermelho, mas que veste branco porque você prefere. Que só andaria de saia, calça e short, mas que se obrigada a usar espartilhos e vestidos só para te ouvir sussurar doçuras ou travessuras ao pé do ouvido. Alguém que deita pra dormir e espera o teu pé roçar suavemente no meu, alguém que...já nem importa, sabe? Eu até importo, importa o que eu sinto, eu sei, eu sei que pra você importa, contanto que eu não diga. Você não pede desculpas, e grita essas impulsividades que nos seus ataques lhe sobem a cabeça e me ferem a alma, mas eu sei que você sente tanto depois, porque é nas minhas coxas que você repousa as lágrimas.

Coloque um sorriso neste rosto, homem. Eu te amo, gordo, magro, careca, cabeludo, bem barbeado ou beirando o hippie - porque amo mesmo é a essência cúmplice desta intimidade absurda que alcançamos com o casamento, talvez eu conseguisse isso com outrém, mas eu não tentei. Escolhi você e dei a busca por encerrada. Pensei em expressar minhas saudades tuas de outra maneira, mas foi natural que a dor repousasse nas palavras, talvez querendo que elas façam o que nunca fizeram - sejam a nosso favor. Eu te amo, homem. E em um mês estarei te abertando contra o meu corpo. Me espera, coração. A saudade já consumiu minha frieza, que ela saiba navegar nos teus oceanos de tristeza, pois bem.



publicado por Juliana Correia às 16:26 | link do post | comentar | favorito

5 comentários:
De xu a 5 de Setembro de 2008 às 19:26
não vou mentir: li o primeiro parágrafo e desisti. não quero saber dessas coisas! hahahahahahaha!
=*******


De Thiago Val a 5 de Setembro de 2008 às 21:16
Sem querer achei esse seu blog, e sem querer li o seu post "Ao amor". Enfim, só gostaria de lhe dar os parabens, achei fantástico o jeito que você escreve. Adoro palavras, e adorei as suas. Parabéns

Se gosta de música, poesia e palavras em geral, eu tenho um blog onde tento colocá-las o melhor arranjadas possível. Dê uma olhada.

valcilaum.livejournal.com


Um abraço!


De Vinicius a 6 de Setembro de 2008 às 02:03
Um texto que representa a sua essência que conheci no 1° semestre de Jornalismo, mas com um outro enfoque, talvez com maior cuidado nas palavras, nas expressões, nas declarações. Um amadurecimento visível, seja na maneira como você expressa o que pensa, ou na maneira como você escreve o que sente.

beijo


De Hailton Andrade a 7 de Setembro de 2008 às 21:14
Lindo, irresistível, texto envolvente, daqueles que nos faz sentir o sentimento de outro, mas sem saber sentir igual, cada qual sente de uma forma. Palavras sinceras de um anônimo dentro de si.

Há tempos não vinha aqui fazer uma visita, fiquei muito feliz, tinha certeza que encontraria coisas boas por aqui.

Um grande beijo, Ju!


De Mila a 8 de Setembro de 2008 às 01:19
Sempre tenho boas surpresas quando passo aqui...


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