Lendo Calligaris em seu maravilhoso livro “Cartas a um jovem terapeuta”, me deparei (até catatônica) com uma afirmação sugerida pela vivência do autor: “o quarto e último traço que gostaria de encontrar no futuro psicoterapeuta é uma boa dose de sofrimento psíquico”. Aos radicais peço calma – ele não quer dizer que num manicômio devemos ver os “loucos” e os “psicoterapeutas” estabelecendo o mesmo comportamento de modo que não nos seja possível estabelecer a distinção. Penso que ele quer dizer que todo profissional deve ter o conhecimento e a vivência do que estuda – e que ao se tratar do humano em sua subjetividade (ou consciência, comportamento, inconsciência, escolha, angústia podem ser tratados como objetivos?) é emergencial que o leque seja amplo. É preciso saber viver com a dor e saber explora-la, e escapa-la, e reencontra-la e vivência-la... “o futuro terapeuta, deve, ele mesmo, ser paciente durante um bom tempo”. E quem procura análise? Pessoas que tem coisas mal resolvidas. Dores que ainda soluçam. Ou engasgam.
Bom, pensando nas minhas dores, considerei especialmente que me orgulho muito de ter conseguido aprender a dirigir (eu sei que para muita gente é banal, mas pra mim foi uma batalha). E de até agora seguir dirigindo. Ainda morro de medo de estacionar e levar o carro de alguém. De cruzar a pista e não ver algum carro. De fazer qualquer barbeiragem – das banais as graves! Tive medo, fazia aula de auto escola chorando, fiz umas 30 horas extras além da auto-escola, consegui tirar a carteira de primeira, papai me deu o carro e eu sai pelas ruas – morrendo de medo, mas enfrentando. Bati num carro estacionando na Perini. Liguei pra papai aos prantos e disse que não queria mais dirigir. Tudo resolvido, tudo certo. A necessidade se fez eminente e lá estava eu dirigindo o carro de volta pra casa. Tempos depois, levando meus avós ao médico, bati o carro com toda a força no fundo de um ônibus. Sacolejei meus velhinhos, afundei o capô...o que fazer? Coloquei-os num táxi, esperei a SET chegar, fiz a ocorrência, respirei fundo e lá fui eu de volta pra casa. Só fui chorar e sofrer depois do carro já estar estacionado na garagem. Foi traumático, foi difícil, deu uma puta vontade de desistir. Mas as vantagens de continuar eram maiores – ainda que o medo de dirigir exista, é melhor ir de carro do que ter que pegar dois ônibus, é melhor poder ir e voltar na hora que eu quiser, não ter que esperar ninguém poder me dar uma carona...e assim, considerando meu ganho, vou escondendo minha perda.
Considero que assim devo fazer com os amores. Já quebrei a cara pelo menos umas três vezes. Doeu. Deu perda total em alguns momentos, em algumas partes do coração. Foi muito choro no divã da psicanalista. Muito amargor ao ver a vida. Foi desilusão pura e simples – e traumática, e que trouxe consigo coisas que se grudaram por dentro como a gente gruda um imã na geladeira; ou seja, com naturalidade. Eu já quis desistir da paixão, do amor, dos relacionamentos – achava que não compensava nem os meus esforços, nem as vitórias dos meus medos, nem nada. Fiz paradas. E nessas paradas que fiz – com o carro e com o amor – aprendi que cabe sempre a mim decidir o que vale a pena e o que é perda, o que é ganho e o que é aprendizado. Aprendo mais na dor – inclusive para o futuro profissional (!) – mas nem por isso quero viver nela. Contudo, também não desejo um desfrute pleno e constante de felicidade – sobre o que eu escreveria? Como poderia entender e ajudar as pessoas que vem desabafar comigo? Talvez eu tenha me moldado das minhas pequenas dores sim. E talvez isso não seja ruim. Talvez tenha me feito associar que nesse Holismo que tem que ser (para mim) o viver, eu precise de tudo, conhecer tudo – para gostar, absorver e até mesmo para detestar e renegar.
De um modo ou de outro, meu carro não parou mais. Tampouco o coração.
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