Terça-feira, 30 de Junho de 2009

Pouso.

 
A vontade dele era morar nela. Ele, que por muito tempo se perdeu dos seus desejos. Ela, a quem ele não dava nome. Que só existia entre quatro paredes, num amor que inventaram de ser proibido. Ele, que já não contava mais com o amor. Ela, que de tanto amar já não se achava capaz. Ele queria morar nela, mesmo sabendo que naquele corpo não cabia. Ele, para quem mulher era carne, volume, volúpia. E ela era tão pequena, magrela, um menino-moleque. Naquele corpo de menino ele queria mãe. Naquele corpo de mãe, queria ser homem. Ele não se reconhecia nela. Mas só se achava ali. Nela. Ali ele fazia suas confissões. Do que lhe metia medo, das mentiras que a vida lhe fez, dos desejos que nem teve. E diante dela ele já nem sabia o que era verdade. Ele queria entrar ali dentro e nascer de novo: puro, diferente, autêntico. Ele queria adormecer nela. Mesmo que no dia seguinte saísse ao encontro de sua vida de sempre. Lugares, dinheiro, conquistas. Os amigos de longa data, que ele só sabia amigos por assim ter aprendido. Não sentia aquele bem-estar neles. Há muito ele vinha separado do seu bem-estar. Ele, que vivia para fora, robô de si mesmo, sem se perguntar se era mesmo por ali. Ele sempre voltava para ela. Ela, que a cada noite lhe contava uma história. E era sempre a história dele que contava. Como se lhe voltasse um espelho e, ali, ele se visse nu. Ele gostava de ouvir sua própria história. Mesmo saindo dali assustado e com medo, muitas vezes. Havia muitos e muitos anos que ele evitava o espelho. Mas o dia chegava ao fim e ele voltava. Para ouvir mais uma história. Para se ver mais um pouco. Havia naquelas histórias alguma coisa que o atraía. Algo que o intrigava. Algo de que ele vinha fugindo, que ele vinha desprezando, até que no caminho de fuga deparou com. Ele vinha fugindo da sua própria vida e, no caminho que tomou para evitá-la, a encontrou. Ela mesma lhe contou. Ela, que era invisível. Ela, que ninguém mais conhecia. A vida em volta continuava a mesma, embora ele sempre voltasse. Eram amigos. Disso, tinham certeza. Ele queria morar nela, mas tinha medo de ali ficar. Ela queria, sim, a sua presença. Ali, ele seria sempre bem-vindo. Mas o desejo dela não era o de engolir. Ela era pequena, a menor de todas, tão menor que ele. Mas ali ele permanecia noites inteiras, confortável, naquele canto exato e quente. Ela não o queria para si, embora o quisesse. Ela queria um filho com ele, como se precisasse fazer o amor virar carne, existir, ganhar o mundo. Queria que ele a quisesse tomar para si. Queria que ele sempre fosse bem-vindo, como queria ser bem-vinda sempre. De vez em quando ela também ia se hospedar nele, mesmo que por um tempo, com a certeza de que a casa nunca seria sua. Ela queria aquele amor macio e estranho, sem garantias de ser para sempre. Ela queria aquele amor de hoje. Queria amar com liberdade, embora desejasse o desejo de pertencer. Ela queria poder ser dele, mesmo não sendo. Queria um pedido de casamento para lhe dizer o mais amoroso não. Para então tomá-lo pela mão e desenharem juntos os caminhos a dois. Sempre cada um. Sempre de mãos dadas. Com a suavidade de não fazer tudo sempre igual. Ela queria a solidão dele, queria dividir com ele o seu sem rumo. Ela o queria quase toda noite. Queria cuidar dele enquanto ele estivesse hospedado nela. Queria hospedar-se nele também e, ali, naquele espaço de tempo, receber seus cuidados. Ela queria amar para sempre e para sempre ser amada, mas não buscava a promessa – não era ali que morava o para sempre. Ela também queria a falta dele, de que também era feito o amor por ele, o amor dele por ela. Ela o queria inteiro para si mesmo e tanto maior ao seu lado. Ela queria, não a promessa, mas a vontade. Ele queria, não a obrigação, mas a sorte. Eles queriam estar sempre começando de novo. Ela, que tinha uma história comprida, que vinha gastando no caminho. Ele, que há anos vinha arrastando o peso da sua. Muitas vezes ele pensava em desistir dela. E dela fugia. Mas era de si mesmo que ele fugia. Ele saía. Mas sempre voltava para casa.
 
 
 
[Texto de Cristiana Guerra, postado no http://www.amoreponto.blogspot.com/ em 20/06]


publicado por Juliana Correia às 14:59 | link do post | comentar | favorito

Sábado, 20 de Junho de 2009

O que cai por dentro

Não fica aquietado

O peito lamaçento

Refocila o estragado.

 

Ando, ando, ando

(circularmente)

pra ficar parado - estagnado.

Até quando?

Pilhas lado a lado.

Em-pi-lha-do.

 

Sou vítima de nada

Choro pelo avesso, ao contrário

O riso que ecoa na face

Como tinta nanquim é disfarce

Finjo não ser frágil pra poder ser frágil em paz.

Pra poder deixar pra trás ; o que não deixo pra trás.

 

...jamais.

 

 

 

 

 



publicado por Juliana Correia às 17:20 | link do post | comentar | ver comentários (6) | favorito

Zeca Baleiro, Bigitte Bardot.

 

 

"a saudade
é um trem de metrô
subterrâneo obscuro
escuro claro
é um trem de metrô
a saudade
é prego parafuso
quanto mais aperta
tanto mais difícil arrancar
a saudade
é um filme sem cor
que meu coração quer ver colorido

a saudade
é um trem de metrô
subterrâneo obscuro
escuro claro
é um trem de metrô
a saudade
é prego parafuso
quanto mais aperta
tanto mais difícil arrancar
a saudade
é um filme sem cor
que meu coração quer ver colorido

a saudade
é uma colcha velha
que cobriu um dia
numa noite fria
nosso amor em brasa
a saudade
é brigitte bardot
acenando com a mão
num filme muito antigo"

 



publicado por Juliana Correia às 14:18 | link do post | comentar | favorito

Quinta-feira, 18 de Junho de 2009

Eu nunca dancei ballet - e acho que por isso, cresci um pouco menos fresca do que o resto das mulheres (desculpem bailarinas, desculpem mulheres). Apesar disso, eu sempre (enquanto adolescente) fiz projeções para uma eu-mesma futura, como uma moça bem vestida e de saltos altos desfilando com sua elegância casual por aí. Lenda.

Lenda, lenda, lenda.

Eternamente amada é a pessoa que colocou as sapatilhas na moda, que jogou em algum editorial de moda e disse que era tendência, que disse que combinava com tudo, que vestia os pés cansados com elegância - é que, quanto mais eu envelheço, mais eu fujo do salto alto. É, eu sei, também queria ser feminina, mulher-fatal, a-desejada, e tal.. mas o salto alto me dá preguiça demais. Entre conforto e beleza, eu e minha pouca vaidade, selamos um acordo silencioso: conforto. Entre a liberdade dos meus movimentos e o desejo de todos os homens fetichistas, olá liberdade de movimentos, bievenida ao clube! Tem sapatilhas lindas também, ué. De strass, de bolinhas, de coração, de couro preto e laços, sapatinho boneca de muitas cores. Pra todos os gostos. Obrigada senhor.

Eu sou do tipo que senta na grama pra conversar - sapatilhas são mais despojadas. Eu sou do tipo que dança com os amigos - sapatilhas prejudicam menos os pés deles.  Eu sou do tipo que carrega o irmão no colo, minha coluna agradece as sapatilhas.

Outra vantagem das sapatilhas? Com elas, eu piso perto do chão. E assim sendo, o risco do tombo é menor. Com elas, eu sei aonde estou pisando, não me engancho nas armadilhas do terreno, não me elevo frente aos outros, não pareço superior. Só não calço as sapatilhas do ballet, porque, não tem jeito, eu bem que tento, mas esse rosa româncito parece que não gosta muito da minha companhia e sempre tem que me deixar com essa sensação de que eu sou uma farsa. Podia ser triste, mas eu nem gosto de música clássica, mesmo.

 

Ser pé no chão, definitivamente, nesse momento, é a minha maior tendência.



publicado por Juliana Correia às 17:12 | link do post | comentar | ver comentários (2) | favorito

Quarta-feira, 17 de Junho de 2009

Se eu tivesse uma mesa no escritório, agora eu estaria retirando porta-retratos e limpando a área.

Se eu morasse com ele, estaria agora cobrando o 'neruda que você me tomou e nunca leu'. Ou 'passando com o portão sem fazer alarde, com a leve impressão de que já vou tarde, e levando no peito saudade'.

 

Se eu tivesse mais vergonha na cara, eu não estaria dizendo isso aqui. Eu sei. Mas, no fim das contas, a vida é sempre mesmo tão previsível. A gente é sempre tão previsível.

Agora a banda toca de outro jeito, tô tentando entender, tô tentando me acostumar, tô tentando assimilar: quando eu quiser muito pegar na mão de alguém pra não me sentir sozinha, eu já não poderei pegar na tua, terei de procurar a tua mão. quando eu tiver uma cantada de pedreiro ótima pra contar, eu já não poderei discar no seu número as gargalhadas, terei de procurar outro ouvinte. quando eu quiser te dar um beijo, eu já não mais vou poder te dar, ficarei na vontade. quando eu quiser dar uma lavada no stop em alguém, você já não será mais a vítima, eu não posso ganhar sem ter quem perca. agora quando eu quiser ficar sete horas no telefone, já não vai ser o seu estudo que eu vou atrapalhar. agora quando eu inventar apelidos doidos, nenhum caberá mais em você. agora quando eu descobrir que os seus artistas favoritos estão gravando músicas, eu não vou mais te avisar. agora quando chegarem cartas pelo correio, não mais serão de você pra mim. agora quando meu celular vibrar, não haverá nenhuma chance de ser mensagem tua. agora eu não vou mais contar os dias pra te ver, ficar feliz só de te ver. quando você me encontrar agora, será casualmente e você não vai mais tocar no meu rosto pra eterniza-lo na sua memória. o seu número que eu sei mais do que de cór, vou ter que esquecer. a sua janelinha no meu msn não será mais a favorita. quando aconter algo horroroso ou maravilhoso na minha vida, eu vou precisar tomar cuidado pra não sair correndo pra te contar. quando for o seu aniversário, eu não vou estar de chapeuzinho cônico na festa. eu nunca mais vou ter que mendigar pra você pelo-amor-de-Deus me acompanhar até alguma festa. eu nunca mais vou ser empurrada pra fora da cama na hora de dormir. não tem mais 'minha linda', nem gerbera, nem MAM as terças-feiras, nem sogra. não tem mais comemoração todo dia sete, não tem mais poesia despida no ouvido, não tem mais nossos códigos, não tem mais nada. não tem mais te ter, não tem mais contar com você, não tem mais você como figura central e importante que dá sentido as coisas e pros braços de quem eu corro pra dentro. não tem mais nós. ficamos a sós.

 

Já disse, sabia e certamente, Lenine, mesmo quando o mundo pede um pouco mais de calma e até quando o corpo pede um pouco mais de alma, a vida não para. Fácil, não é. Desenlaçar duas vidas é sempre processo - mas de toda guerra, saem sobreviventes. Porque não sobreviver ao próprio processo?! Deixar a dor correr, ok. Prolongar a dor com coisas que só vão trazer mais dor, não, obrigada.

 

Agora, eu tenho que ir, com meu corpo, calma e alma. Que a vida não para mesmo. E eu tenho que apresentar um seminário.

 

[a saudade é um filme sem cor

que o coração insiste em ver colorido ~ ]

 

 



publicado por Juliana Correia às 10:34 | link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito

Segunda-feira, 15 de Junho de 2009

Do muito que eu li

do pouco que eu sei

                     - nada me resta.



publicado por Juliana Correia às 20:41 | link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito

Segunda-feira, 8 de Junho de 2009

Primeiro, ela dá o seu depoimento sobre o começo do fim:

 

 

"ELE CHEGA LIGA A TV PRA MIM
ELE NÃO QUER NAMORAR
NÃO AQUECE, NEM ME TIRA O AR
NÃO ME GANHA COM O OLHAR

ELE SAI E DIZ QUE JÁ VAI VOLTAR
ELE NÃO QUER NAMORAR
QUANDO CHEGA TÃO CANSADO, ENFIM
ELE NEM OLHA PRA MIM

MEU BILHETE ESQUECEU DE LER
O MEU BEIJO MARCA SÓ PAPEL
O SEU COLARINHO EM LINHO BOM
NÃO CONHECE O MEIU BATOM

EU QUERO MAIS, NÃO APENAS UM AMOR FULGÁZ
EU QUERO MAIS E VOCÊ TEM MUITO MAIS PRA DAR

EU QUERO MAIS, NÃO APENAS ESSE AMOR FULGÁZ
EU QUERO MAIS, NOSSO TEMPO a gente FAZ

HOJE CEDO OUVI NA TELEVISÃO
QUE O AMOR É QUASE ASSIM:
UM PRO OUTRO E OUTRO SÓ PRA SI
MAS EU TENHO OUTRA VERSÃO

JÁ PINTEI AS UNHAS DE CARMIM
PRA CHAMAR SUA ATENÇÃO
TEM PERFUME E LUVAS DE CETIM
PRA AUMENTAR A SEDUÇÃO

EU NÃO QUERO OUVIR OUTRO CHAMAR
QUE NOS TIRE DO NOSSO LUGAR

SÓ UM LINDO DIA AMANHECER

DE TANTO TE AMAR"

 

Depois, dando continuidade a história, ele conta a sua versão do capítulo seguinte:

 

"Uma menina me ensinou
Quase tudo que eu sei
Era quase escravidão
Mas ela me tratava como um rei
Ela fazia muitos planos
Eu só queria estar ali
Sempre ao lado dela
Eu não tinha aonde ir
Mas, egoísta que eu sou,
Me esqueci de ajudar
A ela como ela me ajudou
E não quis me separar
Ela também estava perdida
E por isso se agarrava a mim também
E eu me agarrava a ela
Porque eu não tinha mais ninguém
E eu dizia: - Ainda é cedo
cedo, cedo, cedo, cedo

Sei que ela terminou
O que eu não comecei
E o que ela descobriu
Eu aprendi também, eu sei
Ela falou: - Você tem medo
Aí eu disse: - Quem tem medo é você
Falamos o que não devia
Nunca ser dito por ninguém
Ela me disse:
- Eu não sei mais o que eu
sinto por você. Vamos dar
um tempo, um dia a gente se vê

E eu dizia: - Ainda é cedo
cedo, cedo, cedo, cedo"

 

Resultado?

Já dizia Vinicius de Moraes, em sua maravilhosa "Regra três", "porque o perdão também cansa de perdoar..."

 

Músicas:

- [Ela] Eu quero mais, Gláucia Nasser.

- [Ele] Ainda é cedo, Legião Urbana.

 



publicado por Juliana Correia às 20:36 | link do post | comentar | favorito

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