O que cai por dentro
Não fica aquietado
O peito lamaçento
Refocila o estragado.
Ando, ando, ando
(circularmente)
pra ficar parado - estagnado.
Até quando?
Pilhas lado a lado.
Em-pi-lha-do.
Sou vítima de nada
Choro pelo avesso, ao contrário
O riso que ecoa na face
Como tinta nanquim é disfarce
Finjo não ser frágil pra poder ser frágil em paz.
Pra poder deixar pra trás ; o que não deixo pra trás.
...jamais.
Zeca Baleiro, Bigitte Bardot.
"a saudade
é um trem de metrô
subterrâneo obscuro
escuro claro
é um trem de metrô
a saudade
é prego parafuso
quanto mais aperta
tanto mais difícil arrancar
a saudade
é um filme sem cor
que meu coração quer ver colorido
a saudade
é um trem de metrô
subterrâneo obscuro
escuro claro
é um trem de metrô
a saudade
é prego parafuso
quanto mais aperta
tanto mais difícil arrancar
a saudade
é um filme sem cor
que meu coração quer ver colorido
a saudade
é uma colcha velha
que cobriu um dia
numa noite fria
nosso amor em brasa
a saudade
é brigitte bardot
acenando com a mão
num filme muito antigo"
Eu nunca dancei ballet - e acho que por isso, cresci um pouco menos fresca do que o resto das mulheres (desculpem bailarinas, desculpem mulheres). Apesar disso, eu sempre (enquanto adolescente) fiz projeções para uma eu-mesma futura, como uma moça bem vestida e de saltos altos desfilando com sua elegância casual por aí. Lenda.
Lenda, lenda, lenda.
Eternamente amada é a pessoa que colocou as sapatilhas na moda, que jogou em algum editorial de moda e disse que era tendência, que disse que combinava com tudo, que vestia os pés cansados com elegância - é que, quanto mais eu envelheço, mais eu fujo do salto alto. É, eu sei, também queria ser feminina, mulher-fatal, a-desejada, e tal.. mas o salto alto me dá preguiça demais. Entre conforto e beleza, eu e minha pouca vaidade, selamos um acordo silencioso: conforto. Entre a liberdade dos meus movimentos e o desejo de todos os homens fetichistas, olá liberdade de movimentos, bievenida ao clube! Tem sapatilhas lindas também, ué. De strass, de bolinhas, de coração, de couro preto e laços, sapatinho boneca de muitas cores. Pra todos os gostos. Obrigada senhor.
Eu sou do tipo que senta na grama pra conversar - sapatilhas são mais despojadas. Eu sou do tipo que dança com os amigos - sapatilhas prejudicam menos os pés deles. Eu sou do tipo que carrega o irmão no colo, minha coluna agradece as sapatilhas.
Outra vantagem das sapatilhas? Com elas, eu piso perto do chão. E assim sendo, o risco do tombo é menor. Com elas, eu sei aonde estou pisando, não me engancho nas armadilhas do terreno, não me elevo frente aos outros, não pareço superior. Só não calço as sapatilhas do ballet, porque, não tem jeito, eu bem que tento, mas esse rosa româncito parece que não gosta muito da minha companhia e sempre tem que me deixar com essa sensação de que eu sou uma farsa. Podia ser triste, mas eu nem gosto de música clássica, mesmo.
Ser pé no chão, definitivamente, nesse momento, é a minha maior tendência.
Se eu tivesse uma mesa no escritório, agora eu estaria retirando porta-retratos e limpando a área.
Se eu morasse com ele, estaria agora cobrando o 'neruda que você me tomou e nunca leu'. Ou 'passando com o portão sem fazer alarde, com a leve impressão de que já vou tarde, e levando no peito saudade'.
Se eu tivesse mais vergonha na cara, eu não estaria dizendo isso aqui. Eu sei. Mas, no fim das contas, a vida é sempre mesmo tão previsível. A gente é sempre tão previsível.
Agora a banda toca de outro jeito, tô tentando entender, tô tentando me acostumar, tô tentando assimilar: quando eu quiser muito pegar na mão de alguém pra não me sentir sozinha, eu já não poderei pegar na tua, terei de procurar a tua mão. quando eu tiver uma cantada de pedreiro ótima pra contar, eu já não poderei discar no seu número as gargalhadas, terei de procurar outro ouvinte. quando eu quiser te dar um beijo, eu já não mais vou poder te dar, ficarei na vontade. quando eu quiser dar uma lavada no stop em alguém, você já não será mais a vítima, eu não posso ganhar sem ter quem perca. agora quando eu quiser ficar sete horas no telefone, já não vai ser o seu estudo que eu vou atrapalhar. agora quando eu inventar apelidos doidos, nenhum caberá mais em você. agora quando eu descobrir que os seus artistas favoritos estão gravando músicas, eu não vou mais te avisar. agora quando chegarem cartas pelo correio, não mais serão de você pra mim. agora quando meu celular vibrar, não haverá nenhuma chance de ser mensagem tua. agora eu não vou mais contar os dias pra te ver, ficar feliz só de te ver. quando você me encontrar agora, será casualmente e você não vai mais tocar no meu rosto pra eterniza-lo na sua memória. o seu número que eu sei mais do que de cór, vou ter que esquecer. a sua janelinha no meu msn não será mais a favorita. quando aconter algo horroroso ou maravilhoso na minha vida, eu vou precisar tomar cuidado pra não sair correndo pra te contar. quando for o seu aniversário, eu não vou estar de chapeuzinho cônico na festa. eu nunca mais vou ter que mendigar pra você pelo-amor-de-Deus me acompanhar até alguma festa. eu nunca mais vou ser empurrada pra fora da cama na hora de dormir. não tem mais 'minha linda', nem gerbera, nem MAM as terças-feiras, nem sogra. não tem mais comemoração todo dia sete, não tem mais poesia despida no ouvido, não tem mais nossos códigos, não tem mais nada. não tem mais te ter, não tem mais contar com você, não tem mais você como figura central e importante que dá sentido as coisas e pros braços de quem eu corro pra dentro. não tem mais nós. ficamos a sós.
Já disse, sabia e certamente, Lenine, mesmo quando o mundo pede um pouco mais de calma e até quando o corpo pede um pouco mais de alma, a vida não para. Fácil, não é. Desenlaçar duas vidas é sempre processo - mas de toda guerra, saem sobreviventes. Porque não sobreviver ao próprio processo?! Deixar a dor correr, ok. Prolongar a dor com coisas que só vão trazer mais dor, não, obrigada.
Agora, eu tenho que ir, com meu corpo, calma e alma. Que a vida não para mesmo. E eu tenho que apresentar um seminário.
[a saudade é um filme sem cor
que o coração insiste em ver colorido ~ ]
Do muito que eu li
do pouco que eu sei
- nada me resta.
Primeiro, ela dá o seu depoimento sobre o começo do fim:
"ELE CHEGA LIGA A TV PRA MIM
ELE NÃO QUER NAMORAR
NÃO AQUECE, NEM ME TIRA O AR
NÃO ME GANHA COM O OLHAR
ELE SAI E DIZ QUE JÁ VAI VOLTAR
ELE NÃO QUER NAMORAR
QUANDO CHEGA TÃO CANSADO, ENFIM
ELE NEM OLHA PRA MIM
MEU BILHETE ESQUECEU DE LER
O MEU BEIJO MARCA SÓ PAPEL
O SEU COLARINHO EM LINHO BOM
NÃO CONHECE O MEIU BATOM
EU QUERO MAIS, NÃO APENAS UM AMOR FULGÁZ
EU QUERO MAIS E VOCÊ TEM MUITO MAIS PRA DAR
EU QUERO MAIS, NÃO APENAS ESSE AMOR FULGÁZ
EU QUERO MAIS, NOSSO TEMPO a gente FAZ
HOJE CEDO OUVI NA TELEVISÃO
QUE O AMOR É QUASE ASSIM:
UM PRO OUTRO E OUTRO SÓ PRA SI
MAS EU TENHO OUTRA VERSÃO
JÁ PINTEI AS UNHAS DE CARMIM
PRA CHAMAR SUA ATENÇÃO
TEM PERFUME E LUVAS DE CETIM
PRA AUMENTAR A SEDUÇÃO
EU NÃO QUERO OUVIR OUTRO CHAMAR
QUE NOS TIRE DO NOSSO LUGAR
SÓ UM LINDO DIA AMANHECER
DE TANTO TE AMAR"
Depois, dando continuidade a história, ele conta a sua versão do capítulo seguinte:
"Uma menina me ensinou
Quase tudo que eu sei
Era quase escravidão
Mas ela me tratava como um rei
Ela fazia muitos planos
Eu só queria estar ali
Sempre ao lado dela
Eu não tinha aonde ir
Mas, egoísta que eu sou,
Me esqueci de ajudar
A ela como ela me ajudou
E não quis me separar
Ela também estava perdida
E por isso se agarrava a mim também
E eu me agarrava a ela
Porque eu não tinha mais ninguém
E eu dizia: - Ainda é cedo
cedo, cedo, cedo, cedo
Sei que ela terminou
O que eu não comecei
E o que ela descobriu
Eu aprendi também, eu sei
Ela falou: - Você tem medo
Aí eu disse: - Quem tem medo é você
Falamos o que não devia
Nunca ser dito por ninguém
Ela me disse:
- Eu não sei mais o que eu
sinto por você. Vamos dar
um tempo, um dia a gente se vê
E eu dizia: - Ainda é cedo
cedo, cedo, cedo, cedo"
Resultado?
Já dizia Vinicius de Moraes, em sua maravilhosa "Regra três", "porque o perdão também cansa de perdoar..."
Músicas:
- [Ela] Eu quero mais, Gláucia Nasser.
- [Ele] Ainda é cedo, Legião Urbana.
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