Quarta-feira, 1 de Abril de 2009

Você com seus horáriozinhos de tudo, aposto que você deve cronometrar até o tempo que você usa pra mijar. Trinta segundos pra falar no telefone entre uma página de livro e outra. Treze minutos para um abraço. Mais uns seis para um beijo. Dezoito minutos para ouvir eu me queixar da minha família, fazer meus dramas, ter minhas manias. Quatro minutos que você gasta não me entendendo. Trinta minutos que você tira pra reparar em mim, nas minhas pálpebras, no meu sorriso, nas minhas olheiras e sobrancelhas. Tudo cronometradinho pra caber na sua agenda, eu suponho. Não porque você não goste de mim, talvez você goste. Mas a sua vida sempre me parece ampulheta: correndo sempre (e absolutamente sem propósito) contra o inevitável virar da areia – correndo inclusive, com afinco para as coisas que você nem gosta. Como é que pode? Você deve ter sete minutos pra almoçar. Umas seis horas pra dormir. Cinquenta minutos entre o banho e o descanso. Uma horinha pra ler aquele livro de literatura chinesa que só você entende. Três horas pro seu ipod com as suas músicas – tão suas! O resto do dia é dia de adulto sério. De gente responsável. Agenda recheada de obrigações. Que saco comer sucrilhos de manhã e ter que ser gente absolutamente chata e grande o resto do dia. Que saco comer sucrilhos de manhã, eu te amar e você nem ter tempo de descobrir. Que saco você desperdiçar todo o seu tempo e eu querer sugar toda a minha vida pra ter certeza que dela estou fazendo algo de útil. Espero que esse trabalho sobre a propriedade de um elemento responsável por 0,3% da composição do tijolo seja muuuuuuuito útil na sua vida, no seu dia-a-dia profissional, nas lições que você vai dar pros seus filhos e netos (que se der tempo, você vai ter, né?) e que te façam dar risada com aquela sensação de que a vida valeu a pena ou que, pelo menos, alguma porcentagem do seu tempo, valeu a pena sim. Espero que esse tratado sobre a importância do tijolo seja mais útil para a sua vida em contato com pessoas que precisam do seu serviço, do seu cuidado, do seu trabalho. Espero que seja mais útil do que a intimidade que a gente podia ter partilhado, do que todos os filmes com enfoques humanistas que a gente podia ter assistido e debatido, do que todas as exposições de arte que a gente podia ter visto com poder curativo, de todos os livros e textos que eu poderia te indicar, de todas as rodas de conversa nas quais eu poderia te introduzir, de todos os shows que podiam nos ensinar, de tudo que alguns teóricos da minha área podiam te ensinar sobre lidar com o sofrimento humano, de toda uma vida que, quem sabe, poderíamos ter construído – e que continuasse valendo a pena mesmo quando o tijolo ruísse ou quando outra pessoa descobrisse um outro elemento tijolal que revolucionasse a construção de muros. Eu, sinceramente, não dou a mínima para muros. Eu gosto é do que fica – e o que fica são os laços e o que fizemos com nossa areinha. Não ficam as letras que caem nesse seu tratado, não fica a decoreba sobre os componentes do cimento, não fica a lembrança de como envergar a pá – o que fica é ir lá ver a casa sendo construída, entender como o proprietário precisa que ela se desdobre para que lhe seja funcional, ir lá ver a família sendo feliz dentro da casa, que tipo de arquitetura é mais barata ou mais duradoura. A teoria a gente absorve, de prática, a gente vive. E eu te amo e você tem hora de voltar pra casa. E eu te amo sem que você me ame nunca, porque nunca dá tempo, porque até discutir com o seu amigo imaginário sobre a profusão de hipotenusas em Cálculo 3 é uma prioridade. E eu te amei sem que você pudesse me atender. Sem que você tentasse me entender. Sem que você tivesse tempo de pensar que eu podia morrer. E eu te amei um pouquinho mesmo sem você ter tempo ou vontade de me fazer sua mulher. E eu amaria dormir com você. Viajar com você. Ir pra churrasco com você. Amaria todas as suas doenças, defeitos e decepções. Amaria te surpreender e agradecer.  Amaria que você fosse meu. Só meu, completamente meu, alguma hora. Amaria você, como amei você, como amo você ainda. Amaria que você tivesse tempo de ver o meu coração.  Será que você teria tempo de perceber se eu fosse embora da sua vida? Tijolos, tijolos. São eles que vão te visitar quando você ficar velhinho? Eles que vão fazer a tua sopa favorita, sentar ao teu redor pra ouvir de novo a mesma história? Te dar injeção matinal de diabetes- pro caso de você ter diabetes? A sua areia caindo. Caindo. O seu conhecimento vai ser muito importante, não tenha dúvida. O conhecimento teórico que você tanto almeja, tem, se ganância. E o seu conhecimento prático – esse que tá doido pra te conhecer, certeza. Só fico pensando no que você vai fazer quando não estiver trabalhando... e não posso deixar de me perguntar: tijolo faz muro sozinho? Porque laço precisa de duas cordas... Mas espera, será que você teve onze minutos pra ler esse texto? Ah, droga! Eu tinha esquecido de contar com isso...

 
 
“Será que é tempo que lhe falta pra perceber, será que temos esse tempo pra perder?”
(Lenine)
 
“Não nos perguntamos o suficiente: será que haverá tempo pra dar?”
(José Saramago)


publicado por Juliana Correia às 22:23 | link do post | comentar | favorito

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