Segunda-feira, 16 de Março de 2009

Quatro horas. Entro tensa na seção, me deito no divã e,contemplando o teto, agradeço por não ter que olhar para o meu ouvinte hoje. Me lembro que a terapia é a minha mistura de suicídio com heroísmo - vou futucar as feridas, vai doer e vai sangrar, mas eu acho que vou sair melhor daqui. Ou não. Sou mesmo um pouco masoquista mental, e um muito masoquista emocional. Respiro fundo. A verdade é que eu adoro fazer terapia. Pra tentar entender e administrar esse meu pêndulo mental que não é nada razoável e sempre está em algum extremo, ecoando na minha cabeça. Mas hoje eu estou cansada. Cansada demais até para as minhas chorumelas de sempre. Hoje eu queria sentar na cadeira de um cognitivsta,de um behaviorista. Queria algo que me ancorasse, me conduzindo a solução. Um consolo pra não cair no chão com as pernas bambas. As vezes eu me canso de falar sobre os problemas e não saber resolve-los. De não me sentir capaz de operar as mudanças que eu desejo. Aonde será que eu estou gozando na minha dor? Toda manutenção é gozo, ainda que seja manutenção da dor. É no orgulho das minhas profecias auto-realizaveis? Meus pensamentos cessam. São interrompidos pela intervenção do analista. "Você está calada hoje. Porque não começa a falar sobre os seus pensamentos?". Respiro fundo de novo. Procuro uma coragem que não tenho. Começo,intranquila, a falar: "Hoje está difícil. Descobri qual é o meu problema. O meu problema com os relacionamentos. Eu posso gostar muito da pessoa, posso gostar muito de curtir momentos com ela, posso me sentir mais feliz ao seu lado. Até começar a ser relação. Antes disso,eu não penso,vou lá, vivo, curto. Quando começa,lá vem o meu problema: eu passo a não conseguir fazer mais nada, sequer ficar pensando em quando vai acabar. Tento ler o fim em todas as coisas: um olhar diferente, uma falta de olhar, uma palavra dita, na que eu imagino que virá a ser dita, em um recado de orkut,  a presença e a ausência. Tudo. O tempo todo. Não aproveito mais nada, fico só tentando captar esse momento. Durmo com um olho aberto e outro fechado. Penso. Tento adivinhar quando - porque é eminência que em alguma hora o será. Faço a minha profecia do fim. E fico tão chata e tão paranóica que o fim antecede o fim, realiza a minha profecia assim. E aquilo que me fazia feliz, começa a me fazer mal. O começo é o fim. Mas eu não quero mais que seja assim! Isso dói muito, muito, essa vontade de viver e esse medo de acabar. Dói. Paralisa.  Deixo de me ser e tudo que eu faço passa a ser no sentido: como evitar a emiência do fim? (com isso, sempre antecipo o fim!) Me perco de mim. Perco o outro. Perco tudo que eu queria conservar porque volto a acreditar na historinha que eu mesma inventei!!! E sofro quando perco, e sofro também enquanto não perco. Mas não consigo resistir a minha própria historinha. Acho que saber do fim é a única certeza que eu posso ter. Me apoio nela. Mas, se eu quero que ele fique, porque muitas vezes acabo parecendo manda-lo embora? Aonde mesmo fica o gozo dessa minha dor? Como e porque eu mantenho isso? Porque me sinto asujeitada a mim mesma? Porque insisto em transformar o meu maior medo - de ficar sozinha, de não ser digna de ser amada, de me doar e ser abandonada - em realidade? Porque meu medo parece só deixar de ser medo se de fato acontecer? Eu penso na minha ilusão de que já tive algum dia um relação que me completou e por isso nego a minha própria falta e acho que nesta relação o que me dói é a falta? Enquanto eu achar que alguma relação me completou, vou achar que todas as outras não conseguirão ser boas? Vejo que sou uma metáfora de mim mesma nas minhas relações interpessoais quando me vejo no trânsito. Dar passagem fere o meu orgulho. O ritmo alheio na condução me irrita. Se uma rua é estreita demais, eu não facilito a passagem não. Me questiono: se ele se jogou e não facilitou a minha passagem, porque é que eu devo facilitar a dele? Ele é melhor que eu,pode mais? Faço os dois carros sofrerem na angústia de não-saber se haverá espaço para que passem sem que algum dê ré, ou espere no começo da rua. Sou orgulhosa. Por outro lado, sou frágil. Metaforizo a minha delicadeza também. Quero que você me dê os seus cds para eu ouvir no carro e deixar lá, quero seus livros na minha estante, quero você falando das suas opiniões e histórias, dos seus filmes favoritos - eis a minha forma sutil,de pedir e querer-te além de na minha vida, mas dentro de mim, depositando um pouco de si em mim. Eu quero a troca.

Eu não quero ser isso que não sou. Quero ser o que eu sou. Mas o que eu sou?  E no meio dessa coisa toda que eu não sei de nada, você me diz a lúcida coisa que é: goste de mim pelo que eu sou. Não me promete o que você pode vir a ser.  Não dá a miníma para as minhas projeções. E eu sei que você tem toda a razão sobre isso. Eu que perco a razão ao projetar que você me queira, que você me cuide, que você se esforçe por nós dentro do meu conceito de esforço. Certo você. Lúcido você. Começo com raiva de você, acabo com culpa de mim mesma. Com bode da minha histórinha. Cansada de andar abraçada com o fundo do poço imaginário que eu mesma crio e mantenho e para o qual não posso esperar ajuda ou salvação vinda de ninguém além de mim mesma..."

 

Tá bom, ficamos por aqui, diz meu analista. Fim da seção. Até saio mais leve, mas tudo isso continua pesado por dentro. Me atrapalhando de levar a vida como eu gostaria de levar, de alcançar as coisas que eu gostaria de alcançar. Não tenho mais nada para fazer a não ser pensar estas coisas e discutir em terapia. Como eu poderia te dizer estas coisas? Será que você entenderia? Espero meu ônibus, coloco meu Ipod no ouvido. Ouço Los Hermanos me contando sobre o Último Romance. Não vejo a hora de poder chegar em casa e dormir. Não vejo a hora de acordar de dentro de mim.

 


música Último Romance - Los Hermanos

publicado por Juliana Correia às 16:07 | link do post | comentar | favorito

Domingo, 15 de Março de 2009

Se eu não fosse tão orgulhosa e se não fosse tão brega, juro que eu escrevia com letra bonita, editava para o masculino e te mandava "Minha namorada" do Vinícius de Moraes. Te quero essa coisinha toda minha que ninguém mais pode ser, te quero estrela derradeira, amigo e companheiro, no infitino de nós dois. Se eu me desse por satisfeita com coisas que já souberam dizer antes de mim, eu apelaria pro meu Chico - e só de apelar, você já se saberia digno das coisas lindas que caem antes em mim e depois nas palavras dele, que eu te diria, se eu tivesse coragem. Juro. "Se ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios (...), se na bagunça do teu coração meu sangue errou de veia e se perdeu (...) e te dei meus olhos pra tomares contas". Como é que pode? E eu quero mesmo ficar feito tatuagem e te dar coragem, e brincar no teu corpo feito bailarina. E Caetanear você, dizendo que você desintegra e atualiza a minha presença, entra pelos sete buracos da minha cabeça, envolve meu tronco, meus braços e minhas pernas,de todas as cores, tranbordando pelas portas e pelas janelas...é a coisa mais bonita de toda natureza.

Aí eu tomaria fôlego, e faria você receber doses menos cavalares do meu afeto, te mandaria uns caras mais novos, repentistas, pra fazer serenata na tua janela. Ou umas cartas musicais. Ah, eu não sei dizer as coisas - o que é uma pena. Ou talvez, o que é mais pena ainda, eu tenha simples medo de dizer as coisas... Mas é verdade, e o Zeca Baleiro que assinou embaixo, que você joga tinta na minha tela cinza, bala no meu velho oeste, molha o meu olho que não crê, quando faz a minha carne triste quase feliz - você me faz parecer menos sozinho. Era isso Zeca, eu sempre quis dizer isso pra alguém. Mas o Zeca já disse primeiro. Só posso me apropriar... E sabe o que é pior? A completa incoerência. Te mandaria todas estas músicas, de todos esses artistas, de todos esses poetas - mas preciso me despedir, fazendo a sábia pergunta da Adriana: depois de ter você, poetas para quê? os deuses, as dúvidas? para quê amendoeiras pelas ruas,para que servem as ruas...?

 

 

 



publicado por Juliana Correia às 13:55 | link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito

E cá chega ela com um sorriso. O outro abre as cortinas pra me deixar ver o sol. Minha avó traz um bolode cenoura. Alguém traz uma flor. E mais outro me dá a mão e me diz que as coisas vão dar certo. Mais alguém traz um patuá e me dá junto com um carinho. Eu fico feliz de vê-los ali reunidos. Tenho um misto de dó e carinho pela mistura de apreensão e cuidado que vejo nos seus olhos. Sou invadida, nostalgicamente, pelas lembranças da minha vida com aquelas pessoas. Minha avó, que adorava a praia, e jogava vôlei no mar comigo,mesmo tendo 1,50 de altura. Uma amiga que me defendia quando furavam a fila na minha frente. Uma outra amiga que tinha coragem de ir para as aulas de auto-escola comigo. Um amigo que nunca me deixa saber o fim de uma piada. Aquela outra amiga que trafica doces para me fazer feliz. Mais um outro amigo que adora as discussões de mesa de bar. A amiga dona da livraria. A outra do centro espírita. O amigo do futebol. Aquele outro amigo que sabe escolher livros e cds para me agradar como ninguém. A amiga das melhores histórias malucas. A amiga do sorriso sereno de sempre. Uma outra ainda que roubava meu lanche no maternal um. Um amigo que sempre tem uma palavra generosa para o meu ego. Mais um amigo, poeta e mais um outro músico.Meu dindo com as histórias de sorvete e aquela barriga que eu costumava deitar em cima. A amiga festeira...

Desculpem se o meu coração não aguentou a emoção, desculpem se as coisas aconteceram desse jeito e se ele vai ter que ser operado. Mas eu sei que não preciso pedir desculpas a nenhum de vocês. Sei que vocês me sabem e tudo bem, eu também sei vocês, não preciso olhar nos olhos pra saber quando estão tristes ou quando estão me escondendo algo. As coisas nem precisam, de fato acontecer, e eu já sei cá dentro, que tipo de coisa se viesse a acontecer magoaria cada um de vocês. As vezes que seja, semanas sem nos vermos, ou semanas em que vejo todos - o amor não se conta pelas vezes que conseguimos nos ver, não é? O que conta é que vocês são todas as pessoas de uma vida. Todas as pessoas da minha vida, escreventes de quem eu posso ser.



publicado por Juliana Correia às 13:41 | link do post | comentar | favorito

Sexta-feira, 13 de Março de 2009

Intimidade eu sempre tive foi com as palavras. Desde pequenininha eu já era falante, ainda que balbuciante. E desde sempre, tento fazer da minha arma mais forte - a palavra - uma extensão do meu sentimento, quero palavras que abracem as pessoas que eu amo quando meus braços não podem abraça-las. O resto das intimidades virou uma construção contínua mesmo. Mas, eu posso ser a exceção até, mas eu adoro intimidade, acho intimidade uma delícia. Não existe nada mais compensatório do que simplesmente poder se ser ao lado de alguém e assim ser amado e acompanhado. Beijar, abraçar, agarrar, transar - tudo isso é uma delícia. Mas, beijar com aquele beijo que você sabe que excita a pessoa, abraçar porque você só de olhar sabe que a pessoa não está bem, agarrar num lugar que você sabe que a pessoa nunca tinha imaginado e transar em todas as posições estranhas possíveis e poder dormir sorrindo depois, sem pensar no que o outro está pensando - eis o charme imprescindível da intimidade. Intimidade é conhecer e não apesar de, mas aceitando o que se é. Eu gosto da minha vida com gosto e cheiro de intimidade - seja cheiro de meia de chulé no meu cesto de roupas, seja escova de dentes molhada na bancada da minha pia ou a permissão para acordar descabelada, cheia de maquiagem borrada ou qualquer coisa. Até mesmo tenho absoluto tesão por pijamas, acho uma delíca que minhas amigas ouçam que eu falo sozinha dormindo, que meus amigos me visitem no hospital com meningite - e com cara de doente, e com aparência de doente, e sem nenhuma paciência para vaidades (sempre me sinto assim quando fico doente), acho maravilhoso compartilhar tristezas, vômitos e palavrões. Sossego desse mundo de aparências assim - deixando minha alma não pensar em frescuras por algumas horas, deixando minha alma colocar os pés em cima da mesa, bocejar e fazer coque no cabelo. Intimidade é a minha salvação ante a solidão. Intimidade, não é uma merda. Uma merda é o nosso medo do vínculo afetivo e amoroso, medo de coisas que nos permitam ficar e de que alguém nos conheça como somos - afinal, da porta para fora, todos são lindos, loiros,escovados e de mini-saia. Com essa concorrência utópica, como saber amar o chulé?



publicado por Juliana Correia às 16:29 | link do post | comentar | favorito

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