Ela subiu antes dele. Dois anos antes para ser exato. Foi inesperado, num acidente de carro. Ela subiu, encontrou São Pedro para lhe abrir as portas, reconfortou-se com harpas e nuvens, mas achou aquilo meio tedioso, meio melodramático. Sentiu falta dele, e falta das caretas dele enquanto brigavam e das noites na varanda comendo founde ou do tango que costumava rolar na casa do casal de amigos argentinos. Ela sabia que ia espera-lo e pronto, no casual encontro, o amor sobreviveria sim. Na verdade, se aprimoraria, pois eles estavam no paraíso.
Ele ficou triste, tão triste que definhou. Não conseguia esconder, fechava as cortinas da alegria, se escondeu num luto. O tempo foi passando, e ele sentindo falta de conversar com ela, de dormir com ela falando, como alguém podia falar tanto meu Deus? Sua vida tinha perdido a conversa, tinha virado silêncio. Até o dia que numa esquina, ele teve um infarto fulminante e se foi.
Chegou lá em cima, atordoado, naquela sensação de quem não entende o que se passa. Um misto de susto e de aflição. Ela soube que ele chegara. Se animou toda para conversar com ele, saber das boas novas, perguntar o que lhe tinha acontecido. Ele queria vê-la, beija-la, ama-la. O encontro se deu numa nuvem. Sorrisos gigantes bailavam nos lábios. -
- Laura, eu senti tanto a sua falta.
- Raul! Eu já não vejo motivos pra dizer que esse amor não tem o seu lugar. Você está tão magro, o que lhe aconteceu?
Ele sorriu enternecido. Aquele jeito maternal tinha lhe feito tanta falta.
- Eu tive um infarto, mas isso não tem tanta importância, tem?
- Não..no fundo não, o que vale é que estamos aqui juntos...
- O amor é tão maior, que estamos sós no céu, né?
- Não necessariamente sós. Mas veja você, aonde é que tudo foi desabar né?
- A gente só queria um amor...
- Mas agora, o amor já desvendou nosso lugar e agora está de bem!
- Laura, me abraça forte agora..que é chegada a nossa hora...
Um abraço. No céu. Uma conversa. De botas batidas. Um reecontro de almas. Dizendo coisas que no meio de tanta paz já nem precisavam ser ditas. Mostrando o amor, até mesmo depois do fim das vidas.
- Laura, Deus parece as vezes se esquecer da gente né? Eu fiquei tão só sem você.
- Ai, não fala isso por favor! A gente está no céu.
- Hum..desculpa.
- Vem, vamos além. Vão dizer que a vida é passageira, sem notar que a nossa estrela vai cair...
- Você me mostra as coisas do paraíso?
-Só começou a ser paraíso agora, que você chegou...
-
Do outro lado do portão, São Pedro sorri e balança a cabeça..."Tanto tempo com saudade, e se encontram para uma conversa de botas batidas...uma dessas que não muda mais nada...mas que ainda vale tanto..."
(Em vermelho: citações da música Conversa de botas batidas, do grupo Los Hermanos.
Em tempo: conto inspirado na letra da música! :)
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